Notícia

​CRO sem capacidade para acolher mais animais

23.08.2019

Animalife defende apoio a famílias carenciadas e promoção de campanhas de adoção como solução para controlar número de animais abandonados


Os Centros de Recolha Oficial estão sobrelotados, resultado da nova lei que proíbe o abate de animais nos canis. Esta é uma situação que há muito se adivinhava e para a qual a Animalife alertou por diversas vezes desde a aprovação da legislação. Esta semana, a GNR confirmou um aumento do número de ataques de animais abandonados nas ruas. As reações não se fizeram esperar.

"Não se cumpre a lei. A lei obriga a que os animais errantes sejam recolhidos pelas entidades competentes - Câmaras Municipais, PSP e GNR", referiu Jorge Cid, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, ontem, em declarações à agência Lusa, precisando que estes "não têm sítio para os pôr".

Jorge Cid reagia à notícia do Jornal de Notícias, publicada ontem, que dava conta de um aumento do número de ataques de animais abandonados nas ruas, relacionado com a sobrelotação dos Centros de Recolha Oficial (CRO) e com a falta de capacidade dos serviços municipais para os pedidos de recolha de animais.

A GNR registou 287 casos de ataques de animais abandonados apenas nos primeiros seis meses do ano, quase o mesmo valor do que o registado no ano passado (316) e mais do que em 2017 (253).

Em vigor desde setembro de 2016, a lei que aprova medidas para a criação de uma rede de Centros de Recolha Oficial e estabelece a proibição do abate de animais errantes como forma de controlo da população teve um período transitório de dois anos para adaptação.

De acordo com o bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, durante o período transitório, entre 2016 e 2018, não houve preocupação das entidades em controlar o abandono de animais. "Durante dois anos pouco se fez. Quando a medida entrou em vigor já estavam os canis sobrelotados e, portanto, já se sabia que este problema não ia ter resolução", indicou à Lusa Jorge Cid, que, ainda assim, considerou a lei benéfica.

O bastonário reconheceu a necessidade da criação de um grupo de trabalho capaz de controlar a situação e de construir mais centros de recolha, referindo que Portugal não pode admitir ter animais abandonados. "Temos de criar um grupo de trabalho com diversas entidades que estejam ligadas ao assunto e que tenham conhecimento do assunto para fazer diminuir de uma maneira drástica o abandono dos animais", disse, afirmando que "não é admissível num país da Europa, que se quer desenvolvido, ter animais abandonados".

Jorge Cid assegurou que os animais errantes constituem um perigo para as populações, bem como para outros animais, nomeadamente de origem pecuária. "Sanitariamente, os animais podem constituir um risco na transmissão de doenças quer para os humanos, quer para outros animais", podendo mesmo ser agressivos ou provocar acidentes rodoviários, quando atravessam estradas.



Dificuldades na aplicação da lei

Já quando a lei que proíbe o abate entrou em vigor no continente português, há 11 meses, a Ordem dos Médicos Veterinários mostrou a sua preocupação e apreensão relativamente à falta de ação dos municípios para de adaptarem à medida.

Na altura, a Associação Nacional de Municípios Portugueses afirmou precisar de mais tempo e referiu que as verbas disponibilizadas para aplicar a lei que proíbe o abate de animais dos canis eram insuficientes.

Em janeiro deste ano, a Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios alertou para a existência de "listas de espera" nos canis municipais, impossibilitando a recolha de animais abandonados.

Como resolver?

A Lei 27/2016 é encarada, desde a sua entrada em vigor, com alguma preocupação por parte da Animalife, que não acredita que as medidas previstas nesta legislação sejam as mais adequadas para pôr fim ao problema do abandono de animais de companhia.

Em Portugal, não existem estudos oficiais referentes aos motivos que levam os proprietários a entregar os seus animais, mas em Espanha o Observatório Fundación Affinity, por exemplo, dedica-se desde 2013 a recolher e divulgar informação sobre o vínculo entre pessoas, cães e gatos. Entre os estudos publicados, contam-se vários dedicados à questão do abandono e adoção.

A análise dos números referentes ao ano passado revela que as principais causas que levaram os donos a entregar os seus animais de estimação em abrigos de proteção animal foram, por esta ordem, as ninhadas não desejadas, o fim da época da caça e fatores económicos (incluindo situação de desemprego).

Apesar da falta de dados oficiais, no terreno desde 2011, a Animalife considera que em Portugal as causas que levam ao abandono de animais de estimação são em muito semelhantes às referidas pelo Observatório Fundación Affinity para a realidade espanhola.

A solução para o abandono deveria, por isso, passar por medidas como o apoio a famílias em situação de carência económica extrema com animais a cargo e pela promoção de campanhas de sensibilização apelando à adoção em vez da compra.



“Há que evitar o abandono atuando sobre as suas causas”, refere Rodrigo Livreiro, presidente da Animalife, apontando “o apoio às famílias carenciadas” como primeira medida preventiva.
 
“Sabemos que muitos dos animais que são entregues nos CRO, o são por falta de recursos financeiros”, diz ainda Rodrigo Livreiro, acrescentando que ao serem entregues às autarquias, estas acabam por assumir todas as despesas com os animais, como a alimentação, desparasitação, identificação eletrónica e esterilização. “Se esses gastos fossem aplicados no apoio às famílias com poucos recursos, seriam menos animais a darem entrada nos CRO”, conclui.
 
No que diz respeito à esterilização, o presidente da Animalife propõe que seja alargada “também aos animais com dono, para evitar ninhadas indesejadas, principalmente de animais de pessoas com poucos recursos financeiros” para poderem fazer frente a essa situação. “As medidas de esterilização e aplicação de programas CED são insuficientes, porque abrangem apenas uma parte do problema, que são os animais errantes e silvestres”, conclui.

A esterilização, avançada por vários especialistas como uma das principais estratégias no combate ao abandono animal, não parece, no entanto, ter grande acolhimento junto das autarquias. Em abril do ano passado, o Governo aprovou uma campanha de apoio à esterilização de cães e gatos de companhia, num valor total de meio milhão de euros. Até ao final do ano, tinha sido usada pouco mais de metade da verba disponível.
“Até ao final da campanha de 2018 (pedidos entrados até 30/11/2018) foram pagos 288.260 euros dos 500.000 euros, ou seja, foi utilizada 57,6% da verba”, indicou, em entrevista à Animalife Graça Mariano, subdiretora-geral da DGAV (Direção-Geral de Alimentação e Veterinária).
 
Num trabalho publicado, no sábado, a propósito do Dia Internacional do Animal Abandonado, informámos que, só no ano passado, deram entrada nos CRO mais de 36.500 animais, segundo dados publicados pela DGAV, um número inferior ao do ano anterior, em que foram recolhidos 40.674 animais.

Tentámos junto da DGAV perceber se a diminuição no número de animais recolhidos pelos CRO se traduz em menos abandonos ou se, por outro lado, significa que os centros, agora impedidos por lei de realizar abates, estão a chegar ao limite das suas capacidades e, por isso, a retirar da rua menos animais.

“A DGAV confirma um decréscimo do número de animais recolhidos nos CRO, quando comparados os dados comunicados pelos municípios nos anos de 2017 e de 2018”, respondeu Graça Mariano, que preferiu remeter uma resposta mais clara para os próprios CRO ou respetivos municípios, “entidades que terão condições de explicar os seus próprios números”.

Perguntámos ainda se a DGAV não receia que, na sequência da entrada em vigor da lei 27/2016, os CRO deixem efetivamente de ter capacidade para acolher e tratar todos os animais abandonados. “Trata-se de uma Lei da Assembleia da República que se aplica a todas as entidades e instituições. A competência para a recolha de animais errantes, abandonados ou não, é dos municípios, pelo que a questão deverá ser endereçada às autarquias locais”, referiu Graça Mariano, adiantando que, “não obstante, o Governo disponibilizou meios para apoiar as autarquias na construção de CRO e para apoiar a modernização das salas de esterilização, considerando que esse é o método adequado e legalmente para proceder ao controlo das populações de animais recolhidos”.

Leia a entrevista completa em https://www.animalife.pt/pt/noticia/616