Notícia

Aposta nas campanhas de adoção e esterilização

17.12.2019

Os Centros de Recolha Oficial (CRO) estão sobrelotados e sem capacidade para acolher mais animais. Numa tentativa de inverter a situação, os municípios multiplicam-se em iniciativas, que passam pela promoção de adoções ou pela criação de estruturas capazes de aumentar de forma significativa o número de esterilizações.
 
Em vigor desde setembro de 2016, a lei que estabelece a proibição do abate de animais errantes como forma de controlo da população teve um período transitório de dois anos para adaptação. Um período que deveria ter sido aproveitado para promover políticas sérias de combate ao abandono animal, mas em que, na realidade, pouco ou nada foi feito.

Passado um ano, a situação agravou-se, com grande parte dos municípios a reconhecer a incapacidade dos CRO para receber novos animais. E a procurar estratégias que lhes permitam pelo menos uma maior rotatividade dos animais acolhidos.

É o caso, por exemplo, do CRO de Leiria, que resgatou 89 animais durante o primeiro semestre do ano, dos quais 32 foram adotados. Um número superior ao de todo o ano de 2018, em que foram adotados apenas 30 animais.

“O Município de Leiria antecipou-se à lei e deixou de efetuar abates em outubro de 2016. A realidade do canil municipal é de lotado, sendo a gestão feita com muito esforço, recorrendo, muitas vezes, às associações de defesa animal que o município apoia”, revelou a vereadora da Câmara de Leiria Ana Esperança, citada pela agência Lusa.

Para minimizar o impacto do fim dos abates, o município implementou programas de esterilização a todos os animais que se encontram no canil e aos que vão ser adotados. “As adoções ainda são insuficientes para as solicitações que temos para recolha de animais. Contudo, esperamos a médio e longo prazo que exista uma redução na população de animais errantes”, referiu Ana Esperança.

O município de Leiria está a preparar o Projeto de Regulamento Municipal do Regime Especial de Esterilização de Animais de Companhia — canídeos e felídeos —, que terá como objetivo apoiar esterilizações de animais, evitando assim a sua reprodução. “Este regulamento será aplicável a detentores de animais que pertençam a um agregado com carências económicas, devidamente comprovados pelos serviços de Ação Social do Município, e a animais resgatados das ruas por populares ou por associações zoófilas legalmente constituídas, que depois de comunicado o facto ao médico veterinário responsável, se tenha verificado não terem detentor e não serem possuidores de qualquer zoonose, mas para os quais exista um adotante”, informa a vereadora.

A enfrentar falta de espaço há algum tempo, a Câmara já adquiriu os terrenos para a implementação/construção de um novo CRO. “Por maior que seja, nunca será suficiente, pelo que apostar na esterilização dos animais de companhia errantes recolhidos, como medida de controlo da população animal do nosso território, será o caminho”, frisou Ana Esperança.

Leiria não é caso único. Sintra, com um dos maiores CRO do país, debate-se diariamente com a incapacidade do espaço em acolher novos animais.

“Sempre que somos chamados a intervir numa situação de potenciais maus-tratos, em que é necessário retirar os animais aos donos, a primeira pergunta que me ocorre é – onde vou abrigá-los?”, admitiu num seminário realizado recentemente no Centro Olga Cadaval, a propósito do Transtorno de Acumulação, Alexandra Pereira, Coordenadora do Gabinete Médico Veterinário da Câmara Municipal de Sintra.

No mesmo encontro, o vereador Eduardo Quinta Nova reconheceu também o estado de completa sobrelotação do CRO municipal, admitindo que, “nem que houvesse o dobro do espaço conseguiríamos dar resposta ao número de animais que temos para recolher”. Por isso mesmo, defendeu, o futuro tem, que passar pela aposta numa solução assente em três pilares: “adoção, esterilização e sensibilização”.

Loures é outro município que vem apostando na promoção de campanhas de adoção e no aumento do número de esterilizações, como forma de luta contra o elevado número de animais abandonados.

Na cerimónia de assinatura de um acordo de colaboração com a Animalife para apoio às famílias carenciadas do concelho com animais a cargo, em novembro, Bernardino Soares, presidente da Câmara de Loures, reconheceu que a situação atual é difícil. “Terminámos a ampliação do nosso CRO, mas ainda assim está sempre cheio”, indicou o autarca, adiantando que a aposta tem passado pela promoção de campanhas de adoção, que classificou como “elemento-chave para a rotatividade” dos animais. “Sem adoções não há lugar a novas entradas”, concluiu.

Bernardino Soares acredita que este ano o número de adoções de animais registado em 2018 no município possa vir a duplicar. A promoção tem sido feita por todos os meios ao alcance da autarquia, que criou mesmo um espaço dedicado para o efeito no site da Câmara Municipal.

As melhorias em termos de bem-estar animal prometem não ficar por aqui. O município vai continuar a apostar na requalificação do CRO, nomeadamente com a instalação de uma sala cirúrgica, onde se possam realizar esterilizações. E a apostar no recrutamento de recursos humanos especializados na área veterinária.

Para o presidente da Câmara de Loures a luta contra o abandono não é, contudo, uma batalha que os municípios devam ou consigam travar sozinhos. “Só nos será possível inverter a situação atual se forem criadas políticas nacionais orientadas para este objetivo”, defende.



O apoio do Estado

Até agosto deste ano o Estado pagou cerca de 270 mil euros às candidaturas de 136 municípios em apoios de esterilização para cães e gatos, um número superior ao de todo o ano anterior (em que foram disponibilizados cerca de 250 mil euros), segundo dados da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), disponibilizados à agência Lusa.

A DGAV atentou que o controlo dos animais errantes é uma competência das Câmaras Municipais, devendo estas promover medidas de luta contra o abandono e campanhas de promoção de adoções ou reconciliação dos animais perdidos com os respetivos donos, além de promoverem a recolha nos CRO.

Para se candidatarem ao apoio, é necessário que os CRO municipais ou intermunicipais registem um mínimo obrigatório de 25 esterilizações, podendo os municípios beneficiar de apoios até aos 15.000 euros e as entidades gestoras de CRO intermunicipais até 30.000 euros. O apoio financeiro da DGAV consiste na atribuição de quantias fixas por cada esterilização: 15 euros para gatos, 35 euros para gatas, 30 euros para cães e 55 euros para cadelas. “A administração central tem apoiado financeiramente as autarquias na remodelação e construção de novos CRO, na construção de salas de esterilização e na realização de campanhas de esterilização [500 mil euros por ano]”, segundo a entidade.

Em 2020, segundo uma versão preliminar da proposta de Orçamento do Estado ontem conhecida, os CRO vão ter uma verba de meio milhão de euros para apoio à esterilização de animais.

A versão preliminar do OE2020, a que a Lusa teve acesso, prevê ainda a transferência de 1,5 milhões de euros para a administração local, nomeadamente para fazer face à portaria que regulamenta a rede de centros de recolha oficial de animais de companhia.



A resposta da Animalife

A lei que estabelece a proibição do abate de animais errantes como forma de controlo da população é encarada, desde a sua entrada em vigor, com alguma preocupação por parte da Animalife, que tem vindo a alertar para o facto das medidas previstas nesta legislação não serem as mais adequadas para pôr fim ao problema do abandono de animais de companhia.

Em Portugal, não existem estudos oficiais referentes aos motivos que levam os proprietários a entregar os seus animais, mas em Espanha o Observatório Fundación Affinity, por exemplo, dedica-se desde 2013 a recolher e divulgar informação sobre o vínculo entre pessoas, cães e gatos. Entre os estudos publicados, contam-se vários dedicados à questão do abandono e adoção.

A análise dos números referentes ao ano passado revela que as principais causas que levaram os donos a entregar os seus animais de estimação em abrigos de proteção animal foram as ninhadas não desejadas, o fim da época da caça e fatores económicos (incluindo situação de desemprego).

Apesar da falta de dados oficiais, no terreno desde 2011, a Animalife considera que em Portugal as causas que levam ao abandono de animais de estimação são em muito semelhantes às referidas pelo Observatório Fundación Affinity para a realidade espanhola.

A solução para o abandono deveria, por isso, passar por medidas como o apoio a famílias em situação de carência económica extrema com animais a cargo e pela promoção de campanhas de sensibilização apelando à adoção em vez da compra. “Há que evitar o abandono atuando sobre as suas causas”, refere Rodrigo Livreiro, presidente da Animalife, apontando “o apoio às famílias carenciadas” como primeira medida preventiva.

“Sabemos que muitos dos animais que são entregues nos CRO, o são por falta de recursos financeiros”, diz ainda Rodrigo Livreiro, acrescentando que ao serem entregues às autarquias, estas acabam por assumir todas as despesas com os animais, como a alimentação, desparasitação, identificação eletrónica e esterilização. “Se esses gastos fossem aplicados no apoio às famílias com poucos recursos, seriam menos animais a darem entrada nos CRO”, conclui. Daí que protocolos como o estabelecido recentemente com a Câmara de Loures sejam um bom exemplo do tipo de solução a seguir.
 
No que diz respeito à esterilização, o presidente da Animalife propõe que não seja exclusiva para animais errantes, mas que seja alargada “também aos animais com dono, para evitar ninhadas indesejadas, principalmente de animais de pessoas com poucos recursos financeiros”, permitindo-lhes fazer frente a essa situação.

Outro ponto a não esquecer: a sensibilização. A educação de todos, e em especial dos mais novos, para a questão do abandono é fundamental para prevenir este tipo de comportamento, infelizmente ainda demasiado frequente.

Leia também: Orçamento de Estado 2020: Meio milhão para apoiar esterilizações